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sábado, 3 de dezembro de 2011
Possibilidades e vantagens de uma Arqueologia Histórica Rhuan Carlos dos Santos LOPES Universidade Federal do Pará (UFPA) – rhuanlopes@ufpa.br
Possibilidades e vantagens de uma Arqueologia Histórica
Rhuan Carlos dos Santos LOPES
Universidade Federal do Pará (UFPA) – rhuanlopes@ufpa.br
Resumo: A articulação multidisciplinar da Arqueologia Histórica permite aos pesquisadores dessa disciplina a geração de informações pouco disponíveis em fontes escritas. Nesse sentido, é premente que os arqueólogos produzam um conhecimento que vá além da mera comprovação do que já está posto por outros pesquisadores que se dedicam ao estudo do passado. Assim, este trabalho discute a proficuidade da Arqueologia Histórica no quadro das ciências humanas e da sociedade contemporânea. A partir disso, direciono esse debate para a minha pesquisa em andamento sobre a urbanização da Belém (PA) colonial.
Palavras-chaves: Arqueologia Histórica, Arqueologia do Capitalismo, Belém (PA).
Abstract: The multidisciplinary articulation of Historical Archaeology researchers in this discipline allows the generation of information not readily available in written sources. Therefore, it is urgent that archaeologists produce a knowledge that goes beyond mere proof of that is laid by other researchers who are dedicated to the study of the past. Thus, this paper discusses the usefulness of Historical Archaeology in the context of the humanities and contemporary society. From this address with this debate for my ongoing research on the urbanization of colonial Belém (PA).
Keywords: Historical Archaeology, Capitalism Archaeology, Belém (PA).
1. Introdução
O movimento de colonização desencadeado na Europa no século XV tem sido alvo de sistemáticos estudos históricos. Se pensarmos o caso da América portuguesa, ao menos desde 1838 com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, historiadores se debruçam no tema da conquista portuguesa no que viria a ser o Brasil. Preliminarmente, é esse o recorte temporal da arqueologia histórica e, portanto, de onde estão sendo desenvolvidos trabalhos diversos. Deetz (apud DEAGAN, 1991), todavia, questiona a dedicação dos arqueólogos em aprender algo que os historiadores já sabem. Isto posto, pode-se questionar a utilidade da arqueologia histórica no quadro das ciências humanas e da sociedade contemporânea. Tratamos disto nesse texto, tendo como exemplo minha pesquisa em andamento sobre a urbanização da Belém colonial.
2. Arqueologia Histórica: para que serve?
A crítica de Deetz, por certo, não apregoa o fim do da disciplina. Podemos entendê-la em um sentido mais amplo, tendo em vista a natureza do trabalho arqueológico: o estudo das sociedades através de sua cultura material. Como afirma Deagan (1991, p. 102), a arqueologia histórica proporciona uma “articulação e integração multidisciplinar de evidências do mundo da cultura material, natural, intelectual e social, tanto no presente quanto no passado”.
Esse tipo de perspectiva justifica, em parte, a necessidade de pesquisas a partir dessa disciplina. Se pensarmos em sua definição, podemos alcançar outra relevância científica. Orser Junior (1992, p. 23), define a arqueologia histórica como “o estudo arqueológico dos aspectos materiais, em termos históricos, culturais e sociais concretos, dos efeitos do mercantilismo e do capitalismo que foram trazidos da Europa em fins do século XV e que continua em ação ainda hoje”. Trata-se, portanto, do estudo tanto da expansão de um modo de pensar, como também de seu “consequente desenvolvimento e impacto nas populações nativas em todas as partes do mundo” (DEETZ, 1991, p. 1). Sendo a expansão do mercantilismo um fenômeno mundial, o arqueólogo histórico necessita de um olhar que vise uma escala global, sem desconsiderar as particularidades de seus objetos de estudo (ORSER JUNIOR, 1992). Daí ser possível uma abordagem comparativa (DEETZ, 1991), já que, por exemplo, povos nativos foram extintos e/ou assimilados nessa dinâmica.
Pensa-se com isso que a arqueologia histórica deva ser uma “arqueologia do capitalismo”, sem, contudo, naturalizar o sistema capitalista e a globalização ainda vigente (LIMA, 2002, p. 17). Deve-se, isso sim, estabelecer críticas a essa forma de exploração, seja no seu nascedouro ou na contemporaneidade (LIMA, 2002). Tratando essa disciplina de um período já bastante estudado por historiadores e amplamente documentado pelas fontes escritas, o arqueólogo tem como ofício não apenas confirmar o que está posto. O estudo da cultura material, mesmo que associada aos documentos textuais e iconográficos, permite uma abordagem que alcance outra dimensão de informações, chegando inclusive ao conhecimento de grupos e contextos não registradas por outro meio (ORSER JUNIOR, 1992; LIMA, 1993).
Neste sentido, os arqueólogos ao se dedicarem à cultura material conseguem confrontar o registro escrito e chegar à vida cotidiana, ou seja, “aos domínios cognitivos do comportamento cultural” (LIMA, 1993, p. 230). Esta perspectiva singular permite o encontro dos agentes sociais inferiorizados, dos nativos “descobertos” na expansão do mercantilismo, ou ainda dos que sofreram com as diásporas condicionadas pelas necessidades mercantis.
Pesquisar os grupos invisibilizados pela história oficial é uma das vertentes profícuas da arqueologia histórica, o que nos faz pensar na importância dessa ciência no mundo contemporâneo, herdeiro de muitos discursos colonialistas. Nesse sentido, o debate sobre etnicidade aparece como uma questão premente. A discussão se dá no âmbito da possibilidade de identificação, no registro arqueológico, de determinados grupos étnicos, tendo em vista as indicações presentes na documentação escrita (FESLER & FRANKLIN, 1999; JONES, 2005). Para Jones (2005), não é razoável que o arqueólogo busque tão somente os correspondentes diretos para as identidades étnicas. Isso é um problema, na medida em que a etnicidade é algo dinâmico e culturalmente construído; além disso, os registros arqueológicos e escritos são essencialmente subjetivos, sendo por isso difícil estabelecer esse tipo de relação direta (JONES, 2005). Sem que se busque uma etnicidade estática no registro arqueológico, é totalmente possível uma análise arqueológica com esse intuito, já que todos os objetos manipulados em um grupo estão imbuídos de etnicidade (FESLER & FRANKLIN, 1999).
3. A Belém colonial através da arqueologia
É com essa perspectiva plural da arqueologia histórica que pretendo dar prosseguimento em minha pesquisa sobre a urbanidade de Belém, antiga capital do estado do Grão-Pará e Maranhão, no período colonial. Intenciona-se, com isso, analisar a constituição da cultura urbana de Belém a partir dos aspectos dos artefatos recolhidos nas escavações efetuadas na área mais antiga da cidade, no sentido de compreender as dinâmicas sociais representativas do lugar. Busca-se, dessa forma, contribuir para o entendimento das dimensões da ocupação européia na Amazônia, tendo em vista as suas relações estabelecidas com os povos nativos, o meio ambiente e o consequente impacto da colonização na região, tendo em vista a conformação de uma cultura urbana.
Os objetos evidenciados nas escavações do Forte do Presépio, por exemplo, nos permite “o conhecimento de um amplo repertório de expressões de culturas materiais da sociedade que tem vivido na área do Forte desde épocas anteriores à sua construção” (MARQUES, 2006, p. 187). Constam nesse acervo arqueológico vasilhas com “formas e decorações” de origem cabocla; cachimbos de caulim de origem européia produzidos em fins do século XVIII; utensílios domésticos, como “potes, bilhas, vasos para plantas” típicos do período pós-contato; fragmentos de faianças portuguesas consumidas entre os séculos XVI e XVIII (MARQUES, 2006, pp. 177-180).
A arqueologia histórica tem grande significado e proficuidade em um estudo com esse foco, posto que se possa alcançar a vida material da Amazônia (MARQUES, 2006), indo além do que está registrado na vasta documentação escrita do período. Tendo em vista a grande mestiçagem da Belém colonial e as dinâmicas político-econômicas de então (GUZMÁN, 2008), a cultura material pode ser lida em seu papel ativo nesse contexto. Uma cidade mestiça, nesse sentido, mostra-se bem mais viva se vista pela sua cultura material, sem desconsiderar as outras fontes importantes para o arqueólogo.
4. Conclusão
Se a arqueologia tem de servir a algo, deve ser ao entendimento do comportamento humano (LITTLE, 2007), especificamente no contexto das relações de dominação inerentes ao capitalismo. Em nosso caso de estudo, a expansão colonialista insere a história da América nas dinâmicas européias dos seiscentos, onde o Novo Mundo era palco de disputas, encontros e embates entre diferenciados agentes (COELHO, 2006).
Estudar esse momento pelo viés da arqueologia histórica nos permite a visualização de, ao menos, mais uma das dimensões complexas do passado. Se este passado possui grande relevância na vida moderna (LITTLE, 2007), os arqueólogos devem se esforçar em mostrar as vozes antes silenciadas nos registros escritos. A arqueologia do capitalismo tem na cultura material uma dimensão concreta de relações sociais (LIMA, 2011) e, portanto, a chave para o entendimento das relações de dominação e resistência das quais somos herdeiros.
Referências
COELHO, Geraldo Mártires et al. Forte do Castelo: cenários e enredos culturais. In: PARÁ.Secretaria Executiva de Cultura do Estado do Pará. FELIZ Lusitânia: Forte do Presépio, Casa das Onze Janelas, Casario da Rua Padre Champagnat. Belém: SECULT, 2006, pp. 21-68.
DEAGAN, Kathleen. Historical archaeology’s contributions to our understanding of early America. In: FALK, Lisa. Historical archaeology in global perspective. Washigton/London: Smithsoniaan Institution Press, 1991, pp. 97-111.
DEETZ, James. Introduction: archaeological evidence of sixteenth- and seventeenth-century encouters. In: FALK, Lisa, op. cit, pp. 1-9.
FESLER, Garret; FRANKLIN, Maria. The exploration of ethnicity and the historical archaeological record. In: ______ (ed.). Historical archaeology, identity formation, and the interpretation of ethnicity. Virginia: Colonial Williamsburg Foundation, 1999, pp. 1-10.
GUZMÁN, Décio de Alencar. A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757. REVISTA DE CULTURA DO PARÁ. v. 18, n. 1 (jan./jul. 2008), pp. 75-94.
JONES, Siân. Categorias históricas e a práxis da identidade: a interpretação da etnicidade na arqueologia histórica. In: FUNARI, Pedro Paulo et al. (orgs.). Identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005, pp. 27-57.
LIMA, Tânia Andrade. Arqueologia Histórica no Brasil: balanço bibliográfico (1960-1991). In: Anais do Museu Paulista Nova Série Nº 1 1993.
______. Os marcos teóricos da arqueologia histórica, suas possibilidades e limites. Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, v. XXVIII, n. 2, pp. 7-23, dez. 2002.
______. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, pp. 11-23, jan.-abr. 2011.
LITTLE, Barbara J. Historical Archaeology. Why the past matters. Walnut Creek: Left Coast Press, 2077.
MARQUES, Fernando L.T. Investigação arqueológica na Feliz Lusitânia. In: PARÁ.Secretaria Executiva de Cultura do Estado do Pará. FELIZ Lusitânia: Forte do Presépio, Casa das Onze Janelas, Casario da Rua Padre Champagnat. Belém: SECULT, 2006, pp. 147-187.
ORSER JR., Charles E. Introdução à Arqueologia Histórica. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1992.
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