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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
EXPERIÊNCIAS COM A ORALIDADE: SINERGIA DO APRENDER E ENSINAR.
EXPERIÊNCIAS COM A ORALIDADE:
SINERGIA DO APRENDER E ENSINAR.
Camila Fernanda Nunes Borges LEAL1
1 - Rocas Brasil – Arqueologia e Meio Ambiente – camila.leal@rocasbrasil.com.
Resumo
O resgate da oralidade de uma dada sociedade é permitido a partir de experiências sinérgicas entre aprender e ensinar. Para a construção deste trabalho foram utilizados dados e informações coletados durante trabalhos realizados para licenciamentos ambientais de empreendimentos potencialmente poluidores, em diversos locais do Brasil e com diferentes seguimentos da sociedade, incluindo colônias de pescadores tradicionais, tribos e etnias indígenas, além de habitantes ilustres das localidades e povoados visitados. Os resultados alcançados demonstraram plenamente e sob diferentes olhares e pontos de vista, que o resgate do Patrimônio Cultural de natureza Imaterial Intangível, principalmente, baseado na aplicabilidade de entrevistas semi-estruturadas, deve ser primeiramente baseado na oralidade, a partir das trocas e experiências conseguidas com a memória oral da comunidade, fazendo com que os interlocutores promovam, sinergicamente, as ações de aprender e ensinar. As trocas conseguidas foram deveras importantes, já que alcançaram os preceitos e pressupostos que nortearam a realização desta pesquisas.
Palavras-chave: Memória oral, Patrimônio Cultural, licenciamento ambiental.
Abstract
The revival of orality in a given society is allowed from synergistic experience between learning and teaching. The construction of this work was based on data and information collected during work for environmental licensing of potentially polluting enterprises in various parts of Brazil and with different segments of society, including colonies of fisherfolk, indigenous tribes and ethnic groups, the sides residents of the illustrious towns and villages visited. The results demonstrated fully and under different perspectives and points of view, the rescue of the Intangible Cultural Heritage Immaterial nature mainly based on the applicability of semi-structured interviews, should primarily be based on oral tradition, from the exchanges and experiences gained with the oral memory of the community, making the actors promote, synergistically, the actions of learning and teaching. The exchanges achieved were very important, as they reached the precepts and assumptions that guided this research.
Keywords: Oral memory, Cultural Heritage, environmental licensing.
1. Introdução
A memória oral de uma dada sociedade é realizada a partir da prática da oralidade. Para tal, a coleta de informações e dados de natureza patrimonial, se faz mediante a aplicação de entrevistas semi-estruturadas, cujos resultados obtidos devem atingir um propósito ou hipótese previamente formulados. No caso dos licenciamentos ambientais de empreendimentos potencialmente poluidores, estas informações e dados patrimoniais, principalmente em se tratando do Patrimônio Imaterial Intangível, são conseguidos de forma mais satisfatória, a partir da memória oral da população local de dado empreendimento, mediante resgate da historiografia oral não oficial, baseada na oralidade.
Assim, a aplicabilidade da oralidade dos habitantes locais faz com que, muitas vezes, pesquisador e informante tenham seus papéis invertidos, trocados. É neste momento que a sinergia entre o aprender e o ensinar não apresenta orador/receptor definido, fazendo dos interlocutores atuantes concomitantes e simultâneos de ambos os papéis.
2. Materiais e Métodos
Os materiais utilizados para esta pesquisa se constituem em diversas entrevistas semi-estruturadas realizadas para elaboração de diagnósticos e relatórios técnicos de diversos estudos para Licenciamento Ambiental de empreendimentos potencialmente poluidores do Meio Ambiente, segundo a Resolução CONAMA 001/1986.
Tais entrevistas basearam-se nos princípios e pressupostos de Triviños (1987) e Manzini (1990/1991), onde, para o primeiro, a entrevista semi-estruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa, cujos questionamentos norteariam novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes, visto que o foco principal seria colocado pelo investigador-entrevistador, já que a entrevista semi-estruturada “(...) favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade (...)”, mantendo assim a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987: 152). Já segundo Manzini (1990/1991), a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista, de onde podem emergir informações de forma mais livre cujas respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas.
Para a realização das entrevistas semi-estruturadas, foram formuladas perguntas-chave visando atingir o objetivo das pesquisas, organizadas sob a forma de um roteiro para nortear a coleta das informações básicas e de manter a interação entre informante-pesquisador (MANZINI, 2003).
Os objetivos a serem alcançados com as entrevistas eram os de diagnosticar o patrimônio cultural existente nas comunidades pesquisadas a partir do resgate da oralidade e memória oral de seus habitantes.
3. Resultados
As entrevistas semi-estruturadas obtiveram resultados diferenciados de acordo com a sinergia entre pesquisador e entrevistado, na medida em que, em certos casos, foi necessária uma readequação oral para a mensagem a ser transmitida, visto que os costumes locais e mesmo ancestrais apresentaram mudanças.
Para as pesquisas realizadas nos estados do Rio de Janeiro e área limítrofe ao Espírito Santo, o retorno das informações pretendidas apresentou-se bastante heterogêneo. Caso particular e bastante engrandecedor foi o observado para as PCHs do rio Itabapoana, cuja mudança de tratamento feito pelos moradores do Distrito de Calheiros (município de Bom Jesus do Itabapoana/RJ) para com o informante Sr. Miguel Pereira de Paulo, cuja alcunha era de “o louco” antes da primeira conversa realizada no início da pesquisa, tornou-se “o pesquisador” visto que a população passou a vê-lo de forma diferente, já que as ‘coisas’ que ele falava, sobre a região ter sido habitada por índios Tupi – cujas histórias foram-lhes passadas por seus avós – e sobre ter encontrado locais com fragmentos de cerâmica, lâminas de machado e grafismos rupestres, em Calheiros e áreas cincunvizinhas. Esta modificação cultural e do tratamento inter-pessoal dos habitantes para com o entrevistado, só foi conseguida a partir da mudança realizada no imaginário coletivo, mesmo que de forma inconsciente, feita através de ações de Educação Patrimonial onde foram resgatados e apresentados os diversos ‘patrimônios culturais’ da região, incluindo o Patrimônio Arqueológico.
Resultado satisfatório também foi alcançado com as etnias indígenas Tapeba e Anacé que, segundo a historiografia oficial, nem deveriam existir, visto que no estado do Ceará não haveria índios desde a promulgação do Decreto nº 1.318/1854, que também tornava suas terras tradicionais em devolutas. Neste caso, os membros das etnias preservam suas culturas imateriais; sua luta, no momento das pesquisas, era a de se fazer reconhecer perante os governantes, no intuito de ter respeitados os direitos de ocupação em suas terras ancestrais e da preservação e perpetuação de seus modus vivendi e habitus.
As pesquisas realizadas nos povoados sertanejos por onde estão projetados e sendo construídos os canais da Integração do rio São Francisco, igualmente foram engrandecedores, sob o prisma da sinergia do aprender e ensinar. Reforçando a ideia axiomática de que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, as lições de humildade, acolhimento, expectativas de uma vida melhor e de riqueza, puderam ser revistas e reformuladas in loco, partindo da perspectiva do informante-paciente, transformando-o em pesquisador-agente das transformações que se deram em toda a região, em virtude do projeto.
4. Considerações
A sinergia do aprender e ensinar propostos pelos poucos resultados exposto por este trabalho, apresentam apenas uns poucos frutos que podem (puderam) ser colhidos a partir do resgate da oralidade e da memória oral das populações “atingidas” por empreendimentos ambientais potencialmente poluidores, de acordo com a Resolução CONAMA 001/1986.
Chamo-as de “atingidas” no sentido de ser-lhes conferida uma oportunidade de terem sua memória resgatadas e compartilhadas. A bem da verdade, as verdadeiras populações “atingidas” são as pessoas que, de alguma forma, terão contato, de modo direto ou indireto, com os resultados alcançados pelas pesquisas.
O resgate da oralidade e memória oral de uma dada sociedade esteja esta no sertão ou no litoral, tenha esta ou não estudo ou bens materiais financeiros, perpassa pela valorização da história e da memória desta, assegurando-lhe a preservação de seus bens culturais, bem como a sua devolução à população e às gerações futuras, para que possam usufruí-los de forma adequada e consciente.
Legitimar a importância da oralidade e da memória oral de uma sociedade, por sua vez, é reconhecer as origens e dinâmicas históricas ocorridas ao longo do tempo e do espaço, as quais permitiram determinar as condições socioeconômicas e culturais existentes no presente — presente esse cuja dinâmica história que se deve avaliar está atrelada e intrinsecamente ligada à sinergia entre pesquisador e pesquisado, agente e paciente, mestre e discípulo, e por que não dizer entre o aprender e o ensinar?
5. Referências Bibliográficas
ALBERTI, V. 2005. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 3ª Ed.
BOAS. F. 2007. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 4ª Ed.
CALDAS. A.L. 1999. Oralidade – texto e história: para ler a história oral. São Paulo: Edições Loyola.
JORGE, V.O. 2007. Arqueologia, Património e Cultura. Lisboa: Instituto Piaget, 2ª ed.
MANZINI, E.J. 1990/1991. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27: 149-158.
MANZINI, E.J. 2003. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (Orgs.) Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, p.11-25.
SETTON, M.G.J. 2002. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, 20: 60-70.
TRIVIÑOS, A.N.S. 1987. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas.
Licenciamentos Ambientais utilizados na pesquisa:
Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional/PE-PB-CE, 2005-2006.
Componente Ambiental Indígena: Terra Indígena Tapeba e Área de Ocupação Tradicional da Etnia Anacé/CE, 2009.
Patrimônio Etno-Histórico, Cultural e Arqueológico: PCHs Saltinho do Itabapoana e Bom Jesus, rio Itabapoana/RJ-ES, 2010-2011.
Patrimônio Etno-Histórico, Cultural, Arqueológico e Paisagístico: PCH Arrodeador/BA, 2011.
Patrimônio Etno-Histórico, Cultural, Arqueológico e Paisagístico: Ecoresort Massambaba/RJ, 2011.
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