Conferência
PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO, MEIO AMBIENTE
E
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
José
Luiz de Morais
Professor
Titular, Museu de Arqueologia e Etnologia – USP
jlmorais@uol.com.br
ambiente
sumário
1 .
Construindo uma interface amigável entre o patrimônio arqueológico e o meio
ambiente
2.
Estatuto jurídico do patrimônio arqueológico: novas tendências
3.
Formatando uma linha deNacional do Meio Ambiente: proteção e preservação
5.
As unidades de conservação e as estratégias de preservação da arqueoinformação
pesquisa na interface patrimônio
arqueológico/meio
4.
Patrimônio Arqueológico e Política
1 . Construindo uma interface amigável entre o patrimônio
arqueológico e o meio ambiente
— o
patrimônio arqueológico e os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente
destaques, lei federal 6938/1981
o zoneamento ambiental
a avaliação de impactos ambientais
o licenciamento ambiental
a criação de unidades de conservação
o sistema nacional de informações
sobre o meio ambiente
o Cadastro Técnico Federal de
Atividades
as penalidades disciplinares ou
compensatórias
— A
importância da definição da regra infra-legal pela União
resolução CONAMA 001/1986
resolução CONAMA 237/19997
portaria IPHAN 230/2002)
2.
Estatuto jurídico do patrimônio arqueológico: novas tendências
A
tutela e a gestão do patrimônio arqueológico, enquanto bem da União, será
melhor entendida à luz da consideração conjunta de vários dispositivos
constitucionais, começando pelos princípios estabelecidos no art. 1º do diploma
maior que, além de discriminar a arquitetura do sistema federativo — União,
Estados, Distrito Federal e Municípios — define que o Brasil é um Estado
Democrático de Direito, onde todo o poder emana do povo.
Enquanto
Estado, o Brasil tem propriedades e sua pessoa jurídica central — a União —
incorpora o patrimônio arqueológico como um de seus bens. Porém, em que pese o
estatuto de bem da União, o patrimônio arqueológico, como parte do meio
ambiente cultural, estaria atrelado à condição de bem ambiental de interesse
difuso.
Entendido
como bem de interesse difuso, o patrimônio arqueológico será de uso comum do
povo brasileiro. A União, sua gestora, fixará as regras para a sua melhor
fruição, mediante a consolidação de estrutura híbrida que garanta a
participação direta da sociedade.
3.
Formatando uma linha de pesquisa na interface patrimônio arqueológico/meio
ambiente
ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM
— relações arqueologia / geografia
espaço
território
georreferenciamento
planejamento
e gestãoArqueologia
da paisagem
O
escopo da arqueologia da paisagem é
investigar o processo de artificialização do
meio, na perspectiva dos sistemas regionais de povoamento. Seu tema central é a
reconstrução dos cenários das ocupações humanas, com foco na dispersão das
populações pelo ecúmeno, episódio que gerou paisagens específicas.
Fundamentada
nas bases teóricas e conceituais das disciplinas de origem [arqueologia e
geografia], a arqueologia da paisagem converge seus esforços para duas
dimensões: a matriz ambiental natural, relacionada com o meio físico-biótico, e
o ambiente modificado, relacionado com o meio socioeconômico e cultural.
Resumindo,
ela se configura como uma estratégia de investigação para o estudo dos
processos sociais em sua dimensão espacial, reconstruindo e interpretando a
evolução da paisagem arqueológica e os padrões de assentamento a partir das
expressões materiais da cultura.
Paisagem,
espaço e região são termos freqüentemente empregados na geografia, disciplina
que cuida das relações homem/meio. Tema clássico da investigação geográfica, a
noção de paisagem difere de acordo com o interesse de que é objeto ou a maneira
como se encara.
São
diferentes os enfoques que geógrafos, historiadores e arquitetos utilizam no
trato da paisagem que, de maneira simples, tem sido definida como a parte de um
território que se apresenta como um cenário composto por um mosaico de
elementos relevantes ao observador.
Portanto,
o entendimento da paisagem resulta da análise de tudo o que é visível à
observação, compondo um mecanismo complexo de múltiplas variáveis.
No
caso da arqueologia da paisagem, o termo é preferencialmente visto sob a ótica
da sociedade, ou seja, a paisagem é construída e continuamente reconstruída
pela sociedade em evolução.
Resumindo,
a paisagem, resultado do processo de artificialização do
meio, é objeto da arqueologia da paisagem, linha de pesquisa que estuda a
regularidade, o arranjo e a distribuição das transformações do meio ambiente em
uma área geográfica definida. O processo de artificialização do
meio resulta na sucessão de cenários plenamente articulados, reforçando a
complexidade do conceito de paisagem construída.
A
paisagem analisada pelo arqueólogo não é apenas o ecossistema mas, sim, o lugar
pleno de assinaturas antrópicas que se sucedem no tempo. Pela forma e evolução da paisagem
construída, procura-se chegar aos seus autores
estágios
da arqueologia da paisagem [considerando a arqueologia in totum]
Rastreamento
do potencial arqueológico, incluindo os compartimentos da paisagem, os
conjuntos urbanos, as edificações [arquitetura formal e vernacular] e
demais construções de interesse para a arqueologia.
Mensuração
do potencial arqueológico, convergindo para o rastreamento de registros
arqueológicos por extensões de tamanho variado, com o reconhecimento genérico
de sua forma, funcionamento e mudanças.
Intervenção
no patrimônio arqueológico, com o reconhecimento de sua forma, funcionamento e
mudanças, em detalhe.
Sistemas
regionais de povoamento
A
coordenação entre registros arqueológicos, inferida pelas possíveis relações
espaciais, socioeconômicas e culturais [considerando sua proximidade,
contemporaneidade, similaridade ou complementaridade], pode indicar um antigo
sistema regional de povoamento
O
conceito de sistema regional de povoamento tem sua melhor sustentação na
geografia, pois refere-se à dispersão das populações pelo ecúmeno terrestre e à
conseqüente produção paisagens, com a construção de cenários que se sucedem.
O
enfoque dos sistemas regionais de povoamento é organizado por escalas de
abordagem: macro-sistemas [macro-região], sistemas [região] e sistemas locais
[micro-região]; a escala intermediária – sistemas regionais – identifica o
conceito por ser a mais comum.
4.
Patrimônio arqueológico e Política Nacional do Meio Ambiente: proteção e
preservação
— federalismo cooperativo / competências comuns e concorrentes
A
portaria IPHAN 230, de 17 de dezembro de 2002 estabeleceu o compasso necessário
entre as licenças ambientais e a salvaguarda do patrimônio arqueológico,
uniformizando ações, tanto da parte do corpo técnico do órgão federal, como dos
profissionais que lidam com o assunto.
Fazendo
uso das competências comuns e concorrentes na proteção do patrimônio
arqueológico, do Estado de São Paulo
editou a resolução SMA 34, de 27 de agosto de 2003, que
disciplina a inserção da arqueologia na avaliação de impactos ambientais pelo
órgão licenciador
ambiental paulista.
— Nela é reiterada a competência federal para avaliar os
assuntos de arqueologia no licenciamento ambiental; porém, só se aplicará a
portaria IPHAN 230, quando o estudo exigido for o EIA/RIMA. Nos demais estudos
– RAPs, RIVs, EASs –
há de se verificar antes, a existência de informações, indícios e evidências
arqueológicas na área diretamente afetada pelo empreendimento.
5.
As unidades de conservação e as estratégias de preservação da arqueoinformação
Preservação
in situ: a
adoção de mecanismos de manutenção e proteção dos registros arqueológicos nos
ambientes de origem constitui a preservação in situ. Não há intervenções diretas que
possam comprometer a estrutura física dos registros, embora sua leitura e
análise seja possível por meio de métodos não invasivos.
Preservação
ex situ:
admite intervenções severas na estrutura física dos registros arqueológicos por
meio de levantamentos arqueológicos, prospecções e escavações. O desmonte da
matriz arqueológica é obrigatoriamente compensado pelo registro preciso das
posições originais, de modo que ela possa ser virtualmente reconstituída em
meio eletrônico. Os materiais coletados constituem o acervo das expressões
materiais de cultura daquela sociedade extinta que deixou assinaturas em
determinados compartimentos paisagísticos.
. As
unidades de conservação e as estratégias de preservação da arqueoinformação
Lei
federal 9985, de 18 de julho de 2000
SNUC
– Sistema de Unidades de Conservação da Natureza
áreas
protegidas > unidades de conservação > criação pelos níveis do sistema
federativo
— proteção integral: estações
ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e
refúgios de vida silvestre;
— uso sustentável: áreas de proteção
ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais,
reservas extrativistas, reservas de fauna, reservas de desenvolvimento
sustentável e reservas particulares do patrimônio natural.
DISTRIBUIÇÃO
DOS SISTEMAS REGIONAIS DE POVOAMENTO INDÍGENA
PRÉ-COLONIAIS
NO TERRITÓRIO PAULISTA
primeira
aproximação
MACRO-SISTEMA
DE CAÇADORES-COLETORES
Neste
momento, a consolidação da arqueoinformação permite a abordagem dos caçadores-coletores do
território paulista em escala macro, embora alguns desenhos regionais possam
ser esboçados, em caráter especulativo.
Assim,
um provável sistema regional ‘umbu’, correlacionável à
tradição arqueológica, poderia ser aceito no momento em que for possível
ampliar os limites da coordenação entre os respectivos registros arqueológicos,
enfatizando as possíveis relações espaciais, socioeconômicas e culturais [na
‘tradição’ ela está centrada na tecnotipologia das
indústrias líticas]. Embora sejam marcantes as dificuldades, o investimento em
geotecnologias aplicadas à arqueologia poderá melhorar o quadro.
Nos
flancos setentrionais do território paulista, a arqueoinformação
ainda carece de melhor consolidação. Ao que tudo indica, há forte influência de
sistemas regionais cujas áreas nucleares se localizariam entre as bacias do
alto Paranaíba e do alto Tocantins e no alto-médio São Francisco.
MACRO-SISTEMA
DE CAÇADORES-COLETORES
Continuando,
o cenário genérico do macro-sistema de caçadores-coletores é
tripartido:
— no
interior paulista, as influências centradas no sul [eventualmente umbu] se
sobrepõem às centradas na região do alto Paranaíba / alto Tocantins e no S. Franciso
médio-superior; o eixo da subreposição estaria no rio Tietê, cuja bacia, alongada no sentido
sudeste/noroeste comporia uma larga faixa de contato entre essas influências.
— as
escarpas do planalto Atlântico, que regionalmente formam o conjunto serra do
Mar / serra de Paranapiacaba] teriam separado abruptamente os sistemas regionais do
planalto das populações sambaquieiras, que comporiam um sistema regional bem identificado e,
portanto, de melhor individualização.
MACRO-SISTEMA
DE AGRICULTORES
A
ancestralidade tupi, guarani e kaingang compõe o macro-sistema de agricultores indígenas, que mais
claramente pode ser organizado nos sistemas correspondentes: tupinambá, guarani
[resultantes do desdobramento da tradição tupiguarani] e kaingang
[correspondente à tradição itararé]. Embora as respectivas identidades sejam
claras, a distribuição dos sistemas pelo território paulista ainda é bastante
especulativa, especialmente considerando a efetiva sobreposição entre os
sistemas guarani, kaingang e tupinambá, especialmente no Paranapanema que, neste caso,
seria a faixa de sobreposição.
Na
metade norte do território paulista, os interflúvios
entre as bacias do Tietê e do Grande marcam o eixo de uma larga faixa de
sobreposição entre os sistemas tupinambá e guarani e um possível sistema
Sapucaí, correlacionável
Introdução
à primeira aproximação cartográfica da distribuição dos sistemas regionais de
povoamento indígena pré-coloniais pelo território paulista
—
diretrizes principais:
a]
parâmetros geoambientais
distribuição
da coleção hídrica, modelado do relevo, identidade climática, organização da
cobertura vegetal; especificidades e condicionantes micro-regionais;
b]
parâmetros arqueológicos
georreferenciamento de
registros arqueológicos [considerados marcadores territoriais dos sistemas];
datações [consideradas marcadores temporais dos sistemas, compondo um quadro de
fluxos e refluxos de expansão]; inserção dos registros arqueológicos em quadro
tipológico referencial, adequado ao escopo das aproximações cartográficas
[escalas].
QUADRO
TIPOLÓGICO REFERENCIAL
primeira
aproximação
Registros
arqueológicos de assentamentos do macro-sistema de caçadores-coletores
indígenas pré-coloniais, produtores de pedra lascada, com expectativa de
datação entre o 1o e o 7o
milênio a.C.
Registros
arqueológicos de assentamentos de agricultores dos sistemas regionais Guarani, Kaingang ou
Tupinambá, produtores de cerâmica e praticantes de manejo agroflorestal,
com expectativa de datação entre o 1o milênio d.C. e meados do século XVI;
tentativamente se inclui um provável sistema regional Sapucaí.
QUADRO
TIPOLÓGICO REFERENCIAL
primeira
aproximação [continuação]
Registros
arqueológicos multiusuários pré-coloniais não estratificados, compostos por
escórias de matérias-primas líticas e artefatos, resultantes de atividades minerárias ou
de oficinas indígenas pré-coloniais; matriz sedimentar inexpressiva.
Registros
arqueológicos multicomponenciais de sucessivas ocupações humanas,
com seqüências estratigráficas inseridas
na matriz sedimentar.
Ocorrências
arqueológicas: objetos aparentemente isolados ou informações georreferenciadas
relativas a registros arqueológicos.
NO
PROCESSO DE MAPEAMENTO, OS REGISTROS ARQUEOLÓGICOS SÃO ASSUMIDOS COMO MARCOS
TERRITORIAIS QUE, GEORREFERENCIADOS E INSERIDOS CRONOLOGICAMENTE, PERMITEM A
DELIMITAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DOS TERRITÓRIOS DOS SISTEMAS REGIONAIS DE
POVOAMENTO.